terça-feira, 23 de abril de 2013

Margens

Pontes são passagens
para outras margens.

Corpos imperfeitos
cruzam jardins
onde abundam flores inférteis
de cores baças, cabelos de erva
apanhados nas margens,
limbos negros sem recurso.

Caminha suspenso em areias débeis
pequeno corpo de anjo terrestre
a ponte aparece como por encanto
em halos de luz,
arco-íris de lágrimas,
sol dourando o pranto.

Faz-se a passagem
Sem pontes na margem.


Maria Videira (Mara Cepeda)

Num corpo de mulher

Aqui estou
Sem vontade de estar
Daqui não vou
Não saio deste lugar

Violência consentida
A mim própria imposta
Sinto-me perdida
Ignorantemente indisposta

Sigo sem estrada
Por montes e vales
Cancelando a estada
Nas minas de Jales

Minerando pepitas
Sonhando alegrias
Exploro mesquitas
Procuro magias

Magias não há
Que a vida não quer
Onde estará?
Num corpo de mulher.


Maria Videira (Mara Cepeda)

Estrela cadente

O ponto no horizonte
Que vejo a luzir
Pode ser estrela
No princípio de existir

Mas nada me garante
Neste momento, agora
Que uma estrela errante
Nasça sem demora


Maria Videira (Mara Cepeda)

Odisseia

Numa giesta florida
Branca ou amarela
Caminha perdida
A cor que não é dela

Que não é dela, sei
Sem saber propriamente
O amor que não dei
No tempo presente

Na giesta do monte
Selvagem e errática
Perco o horizonte
Buscando Ática

Chega ao fim a odisseia
Que para mim inventei
Em canto de sereia
Que nunca entoarei

Maria Videira (Mara Cepeda)

Esperei por ti

Esperei por ti
Horas imensas
Buscando noites
Luas suspensas

As noites passaram
Em horas incertas
Dores cruzaram
Ilhas desertas

Eu aqui,
Imersa em mim,
Caminho por ti
Serenando desejos
Semeando ensejos
Vivendo tristezas
Dirimindo certezas
Acumulando horas
Fingindo demoras

Noites e dias
De mim fugias
Sonos e sonhos
Por vezes medonhos
Sem  nada que seja...

Maria Videira (Mara Cepeda)

terça-feira, 16 de abril de 2013

A vida de Natália, parte 4


Se não fosse pela hora tardia, sairia, com certeza, para a noite escura como breu.

O medo de si mesma prendia-a naquela cadeia de dor.

Ansiava ar puro, liberdade, insensatez...

Sentia que o coração não resistiria a tamanha dor, a tamanha afronta.

Explodia, por dentro, desfeita em pedaços.

Nunca voltaria a ser a mesma.

Era impossível, tão absurdamente impossível, como naquele momento se fazer dia de sol incandescente.

Quebrara-se o elo que ela julgava indestrutível, inabalável como o seu amor.

Precisava gritar.

O silêncio era uma tortura insuportável.

Um grito na noite.

Apenas um, mas que fosse único e irrepetível.

Sentia-se vácuo, buraco negro, medonho fim... nada.

Como conseguiria apanhar os estilhaços da sua dor?

Como poderia, alguma vez, recompor-se?

"E tudo o vento levou" em câmara lenta, muuuiiito lenta.

Teria de se levantar quando raiasse a manhã.

Era necessário fingir que continuava viva.

Procuraria juntar os pedaços de si mesma como num puzzle de infinitas e minúsculas peças imprecisas.

Teria toda a sua vida para o fazer... 

 
Maria Videira (Mara Cepeda) 

sábado, 13 de abril de 2013

Um rebanho na cidade: Será?

 
Junto às azinheiras,
serenamente pastam
as ovelhas
 
Do lado de lá
as Cantarias
de permeio
o Fervença
límpido, agora,
a correr solto,
galgando margens
inundando lameiros
onde se enterram os mais afoitos
que não as cegonhas,
que ali vão
essas sim, retirando do terreno alagado
o seu sustento,
o sustento deles.
 
O ninho está cheio
não tardará
que as veja voar
sobre os telhados
 
Maria Videira

Mel, a minha gata "modelo"


 

A veiga




 


Quem vem da Zona Industrial das Cantarias para o bairro do Campo Redondo, pela veiga... depara-se com esta maravilhosa paisagem.



Também aqui se vislumbra algum casario do bairro, com o rio Fervença ladeado pelo molhe de árvores e arbustos que se veem na imagem.
 
Maria Videira



quinta-feira, 11 de abril de 2013

O cardo



piquei o dedo mindinho
nesta flor azul,
assim creio,
roxa talvez,
serena meneio
efetivamente,
picos tem com fartura
franqueza, também,
nesta estranha candura

Maria Videira (Mara Cepeda)
P. S. Esta foto pertence a Celina Videira

O pastor



Sem conhecer frio ou calor,
pelos caminhos despidos
lá vai o pastor.
Pensamentos perdidos,
espraiam o olhar
pelos montes erguidos.
Silêncio, que o vento vai cantar
da moura encantada
canções de embalar.
Do menino que teve, nada
e o leite secou
na triste alvorada.



Maria videira (Mara Cepeda)

P.S. As fotos pertencem a Celina Videira.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Como se a vida não passasse, chovia...


Como se a vida não passasse, chovia.
A menina corre, desgrenhada e só, pelo campo salpicado de malmequeres brancos, onde duas cegonhas negras se alimentam dos pequenos animais que ali habitam.
Os nascentes acordaram todos, felizes de o poder fazer depois de um longo e tormentoso sono.
Nesta paisagem idílica e bucólica, destoa a rapariguinha, mal agasalhada e descalça, suja e mocosa, que olha desamparada para todos os lados.
Vê as cegonhas. Sobressalta-se e tenta cortar caminho pelo terreno encharcado, onde a cada passo se enterra.
Ao longe, um grito de chamamento. Um nome ininteligível.
Ela não dá sinais de ter ouvido. Não será para ela?
Continua perdida, enterra-se, afunda-se, está totalmente molhada, enregelada até aos ossos.
Alguém assiste, incrédulo, àquela cena irreal. Demora algum tempo a se aperceber do que vê. Corre. Corre com desespero para o lameiro à beira do pequeno rio Fervença. Continua a chover, inclementemente. O rio continua a galgar as suas margens há muito submersas.
"Que faz ali aquela rapariguinha? Que faz ali?" Pergunta-se o homem que não deixa de correr. Já não é novo. Parece estar em boa forma física o que é, sem dúvida, uma vantagem.
A menina desistiu. Já não tenta levantar-se. Chora. Treme de frio.
Apenas uns poucos metros o separam dela, no entanto, parecem quilómetros. Torna-se muito difícil andar pela terra saturada de água.
Parece-lhe que nunca mais lá chegará e começa a inquietar-se.
Outro chamamento. Um nome atirado ao vento. Um desespero na voz lamentosa.
A criança responde, tenuemente, sem forças. Ergue a cabeça e olha sem ver.
Faltam poucos metros. O homem está quase lá. A chuva não dá tréguas. As cegonhas continuam, calmamente, a sua vida, indiferentes. Os malmequeres continuam brancos.
Estende os braços e ergue-a. Pouco pesa. Tão pequenina é ainda. Está gelada, hipotérmica. Espera ter chegado a tempo.
Na estrada, a mãe, lívida, abafa um grito de dor. Corre. A água da chuva escorre-lhe pela cara. A roupa colasse-lhe ao corpo franzino e magro. Faz tenções de descer para o lameiro encharcado.
"Pare, deixe-se estar aí. Já lha levo."
As lágrimas misturavam-se com a chuva que não abrandava. Obedeceu, encolhida, a tremer de medo e de frio.
A criança aninhou-se-lhe nos braços e fechou os olhos. Teria três ou quatro anos mas aparentava menos. Quando, finalmente, pôs os pés em terra firme, sentiu que duas grossas lágrimas lhe escorriam pelas faces geladas. Fez sinal à mulher que o seguisse. A sua casa era já ali e urgia aquecer a menina.
Como se fosse a coisa mais natural do mundo, ela seguiu-os, obedientemente. A chuva amenizava. Parecia, até, querer celebrar aquele momento de coragem e solidariedade humana, infelizmente tão rara.
Um ligeiro arco íris queria mostrar-se como um sinal de concórdia. Nem tudo está perdido.
Como se a vida não passasse, chovia.
A menina corre, desgrenhada e só, pelo campo salpicado de malmequeres brancos, onde duas cegonhas negras se alimentam dos pequenos animais que ali habitam.
Os nascentes acordaram todos, felizes de o poder fazer depois de um longo e tormentoso sono.
Nesta paisagem idílica e bucólica, destoa a rapariguinha, mal agasalhada e descalça, suja e moncosa, que olha desamparada para todos os lados.
Vê as cegonhas. Sobressalta-se e tenta cortar caminho pelo terreno encharcado, onde a cada passo se enterra.
Ao longe, um grito de chamamento. Um nome ininteligível.
Ela não dá sinais de ter ouvido. Não será para ela?
Continua perdida, enterra-se, afunda-se, está totalmente molhada, enregelada até aos ossos.
Alguém assiste, incrédulo, àquela cena irreal. Demora algum tempo a se aperceber do que vê. Corre. Corre com desespero para o lameiro à beira do pequeno rio Fervença. Continua a chover, inclementemente. O rio continua a galgar as suas margens há muito submersas.
"Que faz ali aquela rapariguinha? Que faz ali?" Pergunta-se o homem que não deixa de correr. Já não é novo. Parece estar em boa forma física o que é, sem dúvida, uma vantagem.
A menina desistiu. Já não tenta levantar-se. Chora. Treme de frio.
Apenas uns poucos metros o separam dela, no entanto, parecem quilómetros. Torna-se muito difícil andar pela terra saturada de água.
Parece-lhe que nunca mais lá chegará e começa a inquietar-se.
Outro chamamento. Um nome atirado ao vento. Um desespero na voz lamentosa.
A criança responde, tenuemente, sem forças. Ergue a cabeça e olha sem ver.
Faltam poucos metros. O homem está quase lá. A chuva não dá tréguas. As cegonhas continuam, calmamente, a sua vida, indiferentes. Os malmequeres continuam brancos.
Estende os braços e ergue-a. Pouco pesa. Tão pequenina é ainda. Está gelada, hipotérmica. Espera ter chegado a tempo.
Na estrada, a mãe, lívida, abafa um grito de dor. Corre. A água da chuva escorre-lhe pela cara. A roupa colasse-lhe ao corpo franzino e magro. Faz tenções de descer para o lameiro encharcado.
"Pare, deixe-se estar aí. Já lha levo."
As lágrimas misturavam-se com a chuva que não abrandava. Obedeceu, encolhida, a tremer de medo e de frio.
A criança aninhou-se-lhe nos braços e fechou os olhos. Teria três ou quatro anos mas aparentava menos. Quando, finalmente, pôs os pés em terra firme, sentiu que duas grossas lágrimas lhe escorriam pelas faces geladas. Fez sinal à mulher que o seguisse. A sua casa era já ali e urgia aquecer a menina.
Como se fosse a coisa mais natural do mundo, ela seguiu-os, obedientemente. A chuva amenizava. Parecia, até, querer celebrar aquele momento de coragem e solidariedade humana, infelizmente tão rara.
Um ligeiro arco-íris queria mostrar-se como um sinal de concórdia. Nem tudo está perdido.

Maria Videira (Mara Cepeda)

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Serra da Nogueira coberta de neve

 Eu a minha cunhada a desfrutar da beleza de um dia nevado na Serra da Nogueira em Bragança.
 
 
A minha mãe matando saudades do seu tempo de menina e moça quando a neve era presença constante nos frios invernos transmontanos.
 
 
Maria Videira (Mara Cepeda)


Mais flores...



Primavera

Que as suas flores possam concretizar todas as promessas!
 


 A primavera anuncia novas cores, esperanças e amores.

 
 

terça-feira, 2 de abril de 2013

Os rios

Finalmente gorgolejam
contentes
galgando montes
fustigando as fragas
dos seus inconstantes leitos
agora fecundos
cantando canções de águas revoltas
como traga mundos


Maria Videira (Mara Cepeda)

Encolhido

Encolhido
embrulhado em andrajos sem cor
andava aquele homem
à chuva de abril
sem prazer

Tinha frio
como se os ossos fossem gelo
do degelo de emoções
que já não sentia

Lugar comum,
olhos vazios
que a vida não preenchia
tudo acabara
tudo fugira

Não valia a pena
tentar um novo e caloroso dia
Chovia,
apenas chovia


Maria Videira (Mara Cepeda)

Chuva

Bátegas grossas fustigavam-me
como chicotes
na rua
enquanto corria
para tentar fugir-lhe
sem sucesso

Que fazer se o dia chora impropérios?
 
 
Maria Videira (Mara Cepeda)