Como se a vida não passasse, chovia.
A menina corre, desgrenhada e só, pelo campo salpicado de malmequeres brancos, onde duas cegonhas negras se alimentam dos pequenos animais que ali habitam.
Os nascentes acordaram todos, felizes de o poder fazer depois de um longo e tormentoso sono.
Nesta paisagem idílica e bucólica, destoa a rapariguinha, mal agasalhada e descalça, suja e mocosa, que olha desamparada para todos os lados.
Vê as cegonhas. Sobressalta-se e tenta cortar caminho pelo terreno encharcado, onde a cada passo se enterra.
Ao longe, um grito de chamamento. Um nome ininteligível.
Ela não dá sinais de ter ouvido. Não será para ela?
Continua perdida, enterra-se, afunda-se, está totalmente molhada, enregelada até aos ossos.
Alguém assiste, incrédulo, àquela cena irreal. Demora algum tempo a se aperceber do que vê. Corre. Corre com desespero para o lameiro à beira do pequeno rio Fervença. Continua a chover, inclementemente. O rio continua a galgar as suas margens há muito submersas.
"Que faz ali aquela rapariguinha? Que faz ali?" Pergunta-se o homem que não deixa de correr. Já não é novo. Parece estar em boa forma física o que é, sem dúvida, uma vantagem.
A menina desistiu. Já não tenta levantar-se. Chora. Treme de frio.
Apenas uns poucos metros o separam dela, no entanto, parecem quilómetros. Torna-se muito difícil andar pela terra saturada de água.
Parece-lhe que nunca mais lá chegará e começa a inquietar-se.
Outro chamamento. Um nome atirado ao vento. Um desespero na voz lamentosa.
A criança responde, tenuemente, sem forças. Ergue a cabeça e olha sem ver.
Faltam poucos metros. O homem está quase lá. A chuva não dá tréguas. As cegonhas continuam, calmamente, a sua vida, indiferentes. Os malmequeres continuam brancos.
Estende os braços e ergue-a. Pouco pesa. Tão pequenina é ainda. Está gelada, hipotérmica. Espera ter chegado a tempo.
Na estrada, a mãe, lívida, abafa um grito de dor. Corre. A água da chuva escorre-lhe pela cara. A roupa colasse-lhe ao corpo franzino e magro. Faz tenções de descer para o lameiro encharcado.
"Pare, deixe-se estar aí. Já lha levo."
As lágrimas misturavam-se com a chuva que não abrandava. Obedeceu, encolhida, a tremer de medo e de frio.
A criança aninhou-se-lhe nos braços e fechou os olhos. Teria três ou quatro anos mas aparentava menos. Quando, finalmente, pôs os pés em terra firme, sentiu que duas grossas lágrimas lhe escorriam pelas faces geladas. Fez sinal à mulher que o seguisse. A sua casa era já ali e urgia aquecer a menina.
Como se fosse a coisa mais natural do mundo, ela seguiu-os, obedientemente. A chuva amenizava. Parecia, até, querer celebrar aquele momento de coragem e solidariedade humana, infelizmente tão rara.
Um ligeiro arco íris queria mostrar-se como um sinal de concórdia. Nem tudo está perdido.
Como se a vida não passasse, chovia.
A menina corre, desgrenhada e só, pelo campo salpicado de malmequeres brancos, onde duas cegonhas negras se alimentam dos pequenos animais que ali habitam.
Os nascentes acordaram todos, felizes de o poder fazer depois de um longo e tormentoso sono.
Nesta paisagem idílica e bucólica, destoa a rapariguinha, mal agasalhada e descalça, suja e moncosa, que olha desamparada para todos os lados.
Vê as cegonhas. Sobressalta-se e tenta cortar caminho pelo terreno encharcado, onde a cada passo se enterra.
Ao longe, um grito de chamamento. Um nome ininteligível.
Ela não dá sinais de ter ouvido. Não será para ela?
Continua perdida, enterra-se, afunda-se, está totalmente molhada, enregelada até aos ossos.
Alguém assiste, incrédulo, àquela cena irreal. Demora algum tempo a se aperceber do que vê. Corre. Corre com desespero para o lameiro à beira do pequeno rio Fervença. Continua a chover, inclementemente. O rio continua a galgar as suas margens há muito submersas.
"Que faz ali aquela rapariguinha? Que faz ali?" Pergunta-se o homem que não deixa de correr. Já não é novo. Parece estar em boa forma física o que é, sem dúvida, uma vantagem.
A menina desistiu. Já não tenta levantar-se. Chora. Treme de frio.
Apenas uns poucos metros o separam dela, no entanto, parecem quilómetros. Torna-se muito difícil andar pela terra saturada de água.
Parece-lhe que nunca mais lá chegará e começa a inquietar-se.
Outro chamamento. Um nome atirado ao vento. Um desespero na voz lamentosa.
A criança responde, tenuemente, sem forças. Ergue a cabeça e olha sem ver.
Faltam poucos metros. O homem está quase lá. A chuva não dá tréguas. As cegonhas continuam, calmamente, a sua vida, indiferentes. Os malmequeres continuam brancos.
Estende os braços e ergue-a. Pouco pesa. Tão pequenina é ainda. Está gelada, hipotérmica. Espera ter chegado a tempo.
Na estrada, a mãe, lívida, abafa um grito de dor. Corre. A água da chuva escorre-lhe pela cara. A roupa colasse-lhe ao corpo franzino e magro. Faz tenções de descer para o lameiro encharcado.
"Pare, deixe-se estar aí. Já lha levo."
As lágrimas misturavam-se com a chuva que não abrandava. Obedeceu, encolhida, a tremer de medo e de frio.
A criança aninhou-se-lhe nos braços e fechou os olhos. Teria três ou quatro anos mas aparentava menos. Quando, finalmente, pôs os pés em terra firme, sentiu que duas grossas lágrimas lhe escorriam pelas faces geladas. Fez sinal à mulher que o seguisse. A sua casa era já ali e urgia aquecer a menina.
Como se fosse a coisa mais natural do mundo, ela seguiu-os, obedientemente. A chuva amenizava. Parecia, até, querer celebrar aquele momento de coragem e solidariedade humana, infelizmente tão rara.
Um ligeiro arco-íris queria mostrar-se como um sinal de concórdia. Nem tudo está perdido.
Maria Videira (Mara Cepeda)