segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Feliz Natal!


Boas Festas!

Feliz Natal e um Ano de 2014 cheio de magia!
 
Esta paisagem tão bela
De branco, vestida
De frio, enfeitada
É pura magia.
 
A lua envergonhada,
Tenuemente ilumina,
A ponte pequenina
Que, sobre o rio gelado,
A todos encaminha
Para o outro lado
Não há pegadas.
A noite está fria.
O céu estrelado
Tudo alumia.
 
O pinheiro enfeitado
Salpica de cor,
Os sonhos que tenho
De paz e amor,
E uma mesa farta
Com muita alegria.

São os meus sinceros votos.
Maria Videira

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Viagem (ainda)

Inverno. Dezembro quase janeiro. Novo país, nova vida. Outro eu, o mesmo eu. Conflito. Saudade. Chocolate quente, denso, daqueles que fazem bigodes divertidos e brincalhões.
Tripé baixinho talhado pelo meu avô de um pau de castanho, agora meu.
Lato ao lume com a vianda dos porcos a fervilhar. Mais uma malga de trigo, algumas castanhas... "Já não querem comer.", diz a avó. "Está na hora de fazer a matança."
Manhã gélida, ar cortante apenas entrecortado pela fogueira generosa e polivalente.
Uma bela torrada na ponta da faca equilibrada na grelha. Mãos hábeis, viram-na para que torre pelo outro lado. No escano a azeiteira aguarda a sua vez. Observo. Aprendo e comparo.
Aqueço as mãos que tenho frias. Pequenas e alvas, pouco habituadas a trabalhos rudes. Apenas a maciez dos livros ávidos de serem lidos. Doces sobremesas aos fins de semana.
"Faz a tua cama! Arruma o teu quarto!" A voz incisiva da minha mãe, quando eu já carregava os livros e a sacola, atrasada para o ônibus que não podia perder.
Saltava os degraus como uma pantera, quase aterrando de joelhos no chão em precário equilíbrio. Não tinha tempo para cair. Porta fora, corria para a praça, manhã fresca de verão, ainda enfarruscada pela noite escura. Quase seis horas da manhã.
"Ai que já não o consigo apanhar!" Mais velocidade, um livro que cai falhando por pouco a valeta. "Puxa vida!"
Avisto o ônibus. Aceno ao motorista. Vê-me. Espera com o carro engatado. Todos olham para mim. Todos nos conhecemos e reconhecemos de todas as manhãs à mesma hora. Cheguei sem fôlego e sou içada por dois senhores que já sorriem.
"Bom dia!", em uníssono, cantada resposta com sabor a bossa nova.
Mostro o passe, passo a catraca, agradeço ao motorista, "Da próxima, eu não vou esperar por você." Sorriso malandro no canto da boca, fingindo zanga.
Ao longe, uma voz doce com sotaque português, desperta-me da minha viagem ao meu recentíssimo passado.
"Toma a torrada, filha! Pega no prato. Onde estarias tu, rapariga?"
Maquinalmente obedeci. "Obrigada, avó." Estava tão longe, tão alheada do meu lugar de agora que até o frio se tornara suportável, travestido de calor tropical.
"Estás pouco faladora, filha... Tens saudades, não é?"
O carinho e a ternura das suas palavras abriram o dique das minhas emoções e eu chorei como um rio no seu remanso mais calmo.
O andar arrastado do meu avô fez-me engolir todas as águas da minha mágoa. Vinha contente, pareceu-me... "Ainda és mais pimpona à luz do dia, rapariga! És parecida com o teu pai." Sorriso ténue nos lábios finos.
"Oh mulher, dá-me cá uma malga e um bucho de aguardente. É preciso aquecer o corpo que o frio impregna os ossos." Ao mesmo tempo pegou no pão e na sua navalha de bolso e cortou uma fatia de ponta a ponta que posou na toalha sobre a mesa do escano. Foi à mosqueira e tirou de lá um bocado de carne gorda cozida. Cortou uma boa fatia que colocou na grelha. O cheirinho espalhou-se como fumo invadindo as narinas agradavelmente.
A avó apareceu com um pequeno copo de vidro cheio de aguardente e uma malga vazia. Já o meu avô se sentara no seu banquinho de castanho. Ajeitou as brasas, pôs mais um pau ao lume e encheu a malga com o chocolate quente que se consolidava no pote. Deu um trago na aguardente e virou a carne que crepitava na grelha exalando todo o seu poder. Cortou a fatia de pão ao meio e, virando-se para a grelha, com a sua inseparável navalha, tirou um bocado generoso da crepitante carne gorda.
"Queres um cibinho, garota?"
Anuí e estendi a torrada em que ainda não tinha tocado. Embora saborosa, era muito forte para mim. Comi com algum esforço e não voltei a comer. O chocolate cresceu na minha caneca. A torrada parecia interminável. Um nó angustiante na garganta impedia-me de engolir fosse o que fosse. Levantei-me e, com alguma dificuldade, abri a porta da rua. O ar era tão frio que me fez bem. Acordei da minha tristeza e, pela primeira vez, conscientemente, a única rua da minha aldeia, onde, alguns metros mais acima, numa casa com uma pequena varanda cheia de craveiros, eu nascera, há pouco mais de vinte anos.
"Ui! Que frio! Entra e fecha a porta rapariga, que ainda congelas!" A minha tia, atrecida, embrulhada num belo xaile de lã. "Bom dia!"
Dez horas. Tudo branco. Pingentes a brilharem pendurados dos beirais... A viagem só agora começou.

Maria Videira (Mara Cepeda)

sábado, 7 de dezembro de 2013

Viagem (continuação)

O meu primeiro dia neste novo planeta, Trás-os-Montes, acabou com um jantar que me consolou a alma e o corpo. Nunca havia comido nada que tão bem me soubesse. As batatas cozidas no pote ao calor da lareira, regadas com o puro azeite da casa, as alheiras e as chouriças dos porcos alimentados com o que de melhor dá a terra, temperado com as maravilhosas castanhas longais e o trigo das searas arrancadas à força de braços aos montes da aldeia... Tudo conjugado com o calor das brasas de carvalho que crepitavam debaixo da grelha feita pelas mãos sábias do meu avô.
Recordo-me como se fosse hoje, agora. O meu palato saboreia, ainda, o tempero do fumeiro tradicional de vinhais, onde não havia artifícios nem invenções.
Na lareira, esmorecia o calor à medida que se consumia a lenha. Eram horas de ir para a cama que a noite era fria e cintilante de estrelas.
No quarto que me foi destinado, uma cama de casal de madeira de castanho sem grandes ornamentações. Uma mesinha de cabeceira e um guarda fatos da mesma madeira e com a mesma pretensão do restante mobiliário. Era simples e funcional.
Ao lado do quarto ficava a casa de banho, básica, com o estritamente necessário ao conforto de um local recatado. Não tinha água quente. Essa, aquecia-se ao lume, no lato existente para o efeito.
Rapidamente enfiei o pijama mais quente que tinha e enfiei-me na cama onde me senti quase esmagada, tal era o peso dos cobertores de lã com que me cobria. Os lençóis, bordados pelas mãos hábeis da minha tia, mal impediam a aspereza do cobertor de pura lã de ovelha, tecido em tear manual.
Pensei: "Como vou conseguir dormir com este peso todo em cima?" Tinha os pés frios. Aninhei-me o melhor que pude debaixo de todos aqueles cobertores e tentei esquecer a saudade que sentia da minha vida anterior.
O sono, apesar do cansaço, não vinha. Ouvia os estalidos das madeiras antigas amplificados pela minha solidão. Pela pequena janela espreitava um raio de luar, da rubicunda e maravilhosa lua em noite de lobisomens.
Na ténue claridade do aposento, imaginava sombras e lagartixas venenosas e assassinas...
Quase sem conseguir respirar de tão abafada que estava, sentia a ponta do nariz enregelada. Geava dentro do quarto, tinha a certeza disso. Fechei os olhos rendida à exaustão.
"Cocorocó! Cocorocó!" Senti um baque no peito, o coração a correr os 100 metros obstáculos sem preparação nenhuma.
"Que coisa é esta?" O galo madrugador, cantava feliz a anunciar a alvorada. Levei algum tempo a reconhecer o som e a serenar os batimentos cardíacos. Olhei para o relógio de pulso, presente do meu pai, do qual nunca me separava e vi que eram as quatro horas da manhã.
Desalentei. "Agora que eu tinha conseguido, finalmente, adormecer..."
Toquei com um pé no outro e senti-o gelado, tão gelado que até me arrepiou. Verifiquei que o outro estava igual. Embrulhei-me em posição fetal na tentativa vã de me aquecer. Como era possível que com tantos cobertores em cima de mim, não conseguisse manter-me quente? Dei por mim a contá-los e descobri que eram oito. Oito cobertores!
Fiquei abismada e fria. Por mais que cerrasse os olhos convictamente, não adormecia. As horas foram passando lentamente.
Perto das oito da manhã oiço barulho na cozinha. No quarto, o raio de lua fora substituído por um tímido vestígio de sol.
Decidi levantar-me para aquecer os pés. Vesti-me sem grandes cuidados e abri a torneira do lavatório que soluçou sem gota de água, uma, duas, três vezes... apenas molhei os dedos indicadores para fingir lavar os olhos e a boca. Arrepiei-me até aos ossos com a friúra da água.
Voltei ao quarto e calcei dois pares de meias e as únicas botas que tinha. Abri a janela e arregalei os olhos de espanto. "Lindo! Ai, tão lindo!"
Dos telhados, das árvores, dos arbustos, pendiam pequenos pingentes de gelo que o sol transformava em diamantes refletores de luz e de todas as cores do arco-íris. No caminho de terra uma tal camada de gelo que poderia, se quisessem, fazer um bailado.
Não sei quanto tempo ali estive. Fui acordada pelo cheiro irresistível do chocolate quente. Segui-o instintivamente até ao lar.
"Bom dia, avó!"
"Bom dia, filha. Dormiste bem? Tiveste frio?"
Era um novo dia de muitos...

Maria Videira (Mara Cepeda)

Mais Mel...

Sem fazer caso da invasão do seu espaço, mantém-se agasalhada.
 
Maria Videira (Mara Cepeda)

Faz frio! A Mel que o diga!

A minha gata, embrulhadinha na sua manta. Lá fora uma enorme geada. Esperta! 
 
 
Maria Videira (Mara Cepeda)