quinta-feira, 10 de abril de 2014

Conversar com Deus

conversar com Deus
reza o fado
que se não rezasse
não rezaria
já se apagou a melodia
das horas que passam
sem magia ou recato

e se fado houver
que seja honesto
parco em tristezas
e benfazejo

Maria Videira (Mara Cepeda)

terça-feira, 8 de abril de 2014

Passagem

corre devagar o tempo
como se o tempo não tivesse que passar
e a densa melodia arriscava pernoitar
nesta noite quezilenta
repleta de sonhos por sonhar
 
mas se o tempo tem por função
suceder ao tempo
que fazer então ao seu triste lamento
de não querer ser mais que aragem
breve brisa, fugaz passagem?

Maria Videira (Mara Cepeda)

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Pequenas coisas

           A felicidade é feita de pequenas e simples coisas. A vida louca, no sentido de não se ter tempo para viver, das grandes cidades, conduz à impessoalidade e ao desapego do que é, verdadeiramente importante.
          As minhas vivências aldeãs são poucas, muito poucas, no entanto, marcaram-me para toda a vida. A ruralidade, a simplicidade e o dolce fare niente em muda contemplação da paisagem, preenche os vazios que não conseguimos preencher, cada vez mais exigentes do ter e querer.

Maria Videira (Mara Cepeda)

Ainda a alma transmontana

             Quanto a almas, a nossa é diferente de todas as outras! Somos portugueses e transmontanos até ao tutano.
E somo-lo com mais intensidade, quanto mais distantes estamos da nossa terra, da luz que nos viu nascer.
Saí daqui muito novinha, quase bebé, sem mais vivências do que as histórias à lareira, o chilreio dos passarinhos, os brincos de cereja, o rumorejar da água nas pedras do ribeiro, o cantarolar da água nas pequenas cachoeiras do Tuela, ao qual pertenço, por osmose...
Com os meus pais e irmão, fui para o Brasil. Acolhi São Paulo dentro de mim como se dali fosse, como se nunca tivesse conhecido outro chão.
 São Paulo é uma imensidão, na imensidão brasileira. Ali me encontrei, sem as verdes paisagens a que os meus olhos se haviam habituado. Ali cresci, estudei, vivi, calidamente amei... aprendi a ser quem sou, mas nem mesmo a vastidão oceânica que me separava da minha terra, de que mal me lembrava, conseguiu depurar a minha alma transmontana.
 As lágrimas, imperiosas, rolavam pela minha face quando ouvia os acordes do meu hino, quando vislumbrava as cores da minha bandeira...
Na escola descobri os poetas portugueses que intrinsecamente conhecia. Na faculdade descobri Miguel Torga, Miguéis, Eça, Guerra Junqueiro, Cesário Verde, Camões, Bocage, Pessoa...
Amo o Brasil, profundamente. Amo profundamente, Trás-os-Montes e Portugal.
A minha alma bipartida, em conflito permanente é, com certeza, transmontana.
Regressei, acabrunhada de incertezas, de saudades, de lágrimas... sem mimos, sem carinhos até ali pródigos e profícuos. Sofri o desterro pela primeira vez por não saber quem, verdadeiramente, deveria ser.
Afiz-me, aclimatei-me, dei-me tempo e esperei que tudo voltasse à normalidade.
Não voltou. A alma continua dividida, imensa, incomensurável e é devido a essa incomensurabilidade que nela posso abarcar tudo e todos e ser quem, hipoteticamente, sou.
Trás-os-Montes é o mundo que eu quero conhecer, seja a Austrália ou a África primeva, pois essa é a herança de todos os transmontanos: ser cidadãos do mundo sem nunca negarem o lugar a que pertencem.

Maria Videira (Mara Cepeda)

Alma transmontana

A alma transmontana é a alma de todos aqueles que se emocionam ao ouvir um relato de uma velha vestida de noite, sentada na soleira de uma qualquer porta. Orla-lhe a cabeça uma ténue aura e sorri, cercada de crianças ávidas de sonhos.
O marejar de lágrimas no meus olhos quando, lentamente, espraio o olhar pelos montes da minha aldeia, pejados de estevas, urzes ou giestas e me sinto eu, em toda a minha essência, sem medos, sem ansiedades, momentaneamente terra, sol, vento...
E, por mais incompleta que esta resposta esteja, continuo a ansiar que a minha alma seja capaz de ser menina, sempre, de olhos bem abertos para a borboleta azul que voeja, para o lagarto verde, assustadiço que corre para a sua toca, para a cobra estendida no caminho num dia abrasador de verão...
Lá ao fundo, muito lá ao fundo, corre o rio que povoa os sonhos e desejos desta minha alma líquida.

Maria Videira (Mara Cepeda)

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Que dia!

que dia
que desassossego
que desconforto

não há desapego
do dia aziago
e corre no rio
a água sem calma
que arrasta consigo
pedaços de alma
a minha, a tua
a de todos nós
e mesmo sozinhos
nunca estamos sós

Maria Videira (Mara Cepeda)



Cegonhas ao lado do rio Fervença, Bragança



Ao lado da ponte que liga à Zona Industrial das Cantarias.

Maria Videira