Quanto a almas, a nossa é
diferente de todas as outras! Somos portugueses e transmontanos até ao tutano.
E somo-lo com mais
intensidade, quanto mais distantes estamos da nossa terra, da luz que nos
viu nascer.
Saí daqui muito novinha, quase
bebé, sem mais vivências do que as histórias à lareira, o chilreio dos
passarinhos, os brincos de cereja, o rumorejar da água nas pedras do ribeiro, o
cantarolar da água nas pequenas cachoeiras do Tuela, ao qual pertenço, por
osmose...
Com os meus pais e irmão, fui para
o Brasil. Acolhi São Paulo dentro de mim como se dali fosse, como se nunca
tivesse conhecido outro chão.
São Paulo é uma imensidão, na imensidão
brasileira. Ali me encontrei, sem as verdes paisagens a que os meus olhos se
haviam habituado. Ali cresci, estudei, vivi, calidamente amei... aprendi a ser
quem sou, mas nem mesmo a vastidão oceânica que me separava da minha
terra, de que mal me lembrava, conseguiu depurar a minha alma transmontana.
As lágrimas, imperiosas, rolavam pela minha
face quando ouvia os acordes do meu hino, quando vislumbrava as cores da minha
bandeira...
Na escola descobri os poetas
portugueses que intrinsecamente conhecia. Na faculdade descobri Miguel Torga,
Miguéis, Eça, Guerra Junqueiro, Cesário Verde, Camões, Bocage, Pessoa...
Amo o Brasil, profundamente. Amo
profundamente, Trás-os-Montes e Portugal.
A minha alma bipartida, em conflito permanente é, com certeza, transmontana.
A minha alma bipartida, em conflito permanente é, com certeza, transmontana.
Regressei, acabrunhada de
incertezas, de saudades, de lágrimas... sem mimos, sem carinhos até ali
pródigos e profícuos. Sofri o desterro pela primeira vez por não saber quem,
verdadeiramente, deveria ser.
Afiz-me, aclimatei-me, dei-me
tempo e esperei que tudo voltasse à normalidade.
Não voltou. A alma continua dividida, imensa, incomensurável e é devido a essa incomensurabilidade que nela posso abarcar tudo e todos e ser quem, hipoteticamente, sou.
Não voltou. A alma continua dividida, imensa, incomensurável e é devido a essa incomensurabilidade que nela posso abarcar tudo e todos e ser quem, hipoteticamente, sou.
Trás-os-Montes é o mundo que eu
quero conhecer, seja a Austrália ou a África primeva, pois essa é a herança de
todos os transmontanos: ser cidadãos do mundo sem nunca negarem o lugar a que
pertencem.
Maria Videira (Mara Cepeda)
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