sexta-feira, 4 de abril de 2014

Ainda a alma transmontana

             Quanto a almas, a nossa é diferente de todas as outras! Somos portugueses e transmontanos até ao tutano.
E somo-lo com mais intensidade, quanto mais distantes estamos da nossa terra, da luz que nos viu nascer.
Saí daqui muito novinha, quase bebé, sem mais vivências do que as histórias à lareira, o chilreio dos passarinhos, os brincos de cereja, o rumorejar da água nas pedras do ribeiro, o cantarolar da água nas pequenas cachoeiras do Tuela, ao qual pertenço, por osmose...
Com os meus pais e irmão, fui para o Brasil. Acolhi São Paulo dentro de mim como se dali fosse, como se nunca tivesse conhecido outro chão.
 São Paulo é uma imensidão, na imensidão brasileira. Ali me encontrei, sem as verdes paisagens a que os meus olhos se haviam habituado. Ali cresci, estudei, vivi, calidamente amei... aprendi a ser quem sou, mas nem mesmo a vastidão oceânica que me separava da minha terra, de que mal me lembrava, conseguiu depurar a minha alma transmontana.
 As lágrimas, imperiosas, rolavam pela minha face quando ouvia os acordes do meu hino, quando vislumbrava as cores da minha bandeira...
Na escola descobri os poetas portugueses que intrinsecamente conhecia. Na faculdade descobri Miguel Torga, Miguéis, Eça, Guerra Junqueiro, Cesário Verde, Camões, Bocage, Pessoa...
Amo o Brasil, profundamente. Amo profundamente, Trás-os-Montes e Portugal.
A minha alma bipartida, em conflito permanente é, com certeza, transmontana.
Regressei, acabrunhada de incertezas, de saudades, de lágrimas... sem mimos, sem carinhos até ali pródigos e profícuos. Sofri o desterro pela primeira vez por não saber quem, verdadeiramente, deveria ser.
Afiz-me, aclimatei-me, dei-me tempo e esperei que tudo voltasse à normalidade.
Não voltou. A alma continua dividida, imensa, incomensurável e é devido a essa incomensurabilidade que nela posso abarcar tudo e todos e ser quem, hipoteticamente, sou.
Trás-os-Montes é o mundo que eu quero conhecer, seja a Austrália ou a África primeva, pois essa é a herança de todos os transmontanos: ser cidadãos do mundo sem nunca negarem o lugar a que pertencem.

Maria Videira (Mara Cepeda)

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