Deixo aqui uma receita muito fácil de fazer e que funciona sempre. É uma sobremesa da minha infância.
Ingredientes:
4 ovos
1 lata de leite condensado
2 latas (a do leite condensado) de leite normal (meio gordo/semidesnatado)
Modo de fazer:
Bater bem todos os ingredientes no liquidificador ou com a varinha mágica. Untar a forma com caramelo a gosto e levar a cozer, no forno, em banho-maria. Verificar a cozedura com um palito. Deixar arrefecer na forma, dentro do frigorífico/geladeira. O ideal é fazê-lo na véspera. Fica mais consistente.
É bom e não é muito doce. Pode-se dobrar a receita mas basta colocar 7 ovos.
Bom apetite!
Maria Videira
domingo, 27 de julho de 2014
Cegonhas
Juntam-se neste lameiro, que fica ao lado do rio Fervença em Bragança, muitos casais. Claro que as fotografias tiradas com o telemóvel não conseguem apanhá-las todas. Aqui ficam as possíveis.
Maria Videira (Mara Cepeda)
quarta-feira, 23 de julho de 2014
Assim a vida continua
Se fosse um tempo normal
tudo seria mais fácil, mais calmo, mais consentâneo com os seus sonhos. Não
era. Conceição queria o melhor para os filhos e não via como fazer. A vida era
dura como um carolo de pão esquecido na arca.
Custava-lhe ver os seus
rapazes ainda tão novos a trabalhar como adultos.
André, mal pôde com a
charrua, tornou-se o braço direito da mãe. Franzino e frágil, parece não ter
força para os trabalhos do campo mas tem. Não sabe onde a vai buscar desde que
aos sete anos começou nestas duras lides. Hoje, com dezassete anos, sabe tudo o
que é possível saber sobre o seu trabalho.
Ao contrário do irmão,
Pedro, não se interessa pelo ofício do pai. Não se imagina fechado num cabanal,
todos os dias, de sol a sol. Gosta da liberdade dos campos, do contacto com os
animais, de mourejar todo o dia sentindo na pele os frios dos dias de inverno e
os calores tórridos de verão. Sofre com a destruição provocada por chuvas
torrenciais e pelas secas extremas. Quando algum animal morre, sofre como se de
família se tratasse.
A mãe é o seu amparo de
todas as horas. Basta um olhar para se sentir seguro. Nada faz sem o seu
consentimento. Bebe nos seus olhos azuis a força de que necessita para viver.
- São horas André.
Levanta-te. Vou chamar os teus irmãos.
Sem qualquer gesto de
desagrado, veste-se às escuras. Não sabe que horas são ao certo. Talvez quatro
da manhã, talvez menos… tem de ser por mais que custe.
Deita alguma água do jarro
de porcelana no lavatório igual que tem no quarto. Lava a cara e as mãos,
silenciosamente. Não pode acordar o irmão mais novo que com ele dorme. Esse não
os acompanha. Hoje não.
Ouve alguns murmúrios no
quarto ao lado. Sabe que a bebé, agora com três meses dá sinais de quem quer
mamar. São horas.
Pedro já lá vem. Cambaleia
de sono e mantém os olhos fechados e as mãos estendidas e abertas para não
chocar com os móveis, embora conheça a casa de cor e salteado.
Manuel, com os seus onze
anos, demora mais a acordar. Resmunga:
- Ah mãe! Não quero…
- Anda lá filho. Não acordes
o Alberto.
- O Alberto, sempre o
Alberto… Porquê é que ele não vai connosco?
- Ainda é muito pequeno
filho. Tu já és um homem. Ele é um bebé.
- Bom dia filho!
- Bom dia senhor meu pai!
- Senta-te que já vamos
comer.
No lar, ardia uma bela
fogueira. Março apresentava-se frio. A geada era grande.
André deu os bons dias.
Pedro respondeu ainda com os olhos fechados. Custava-lhe aceitar que já se
tinha levantado, noite escura como o breu, apenas alumiada pelas estrelas que
brilhavam no firmamento.
Manuel arrasta-se,
mal-humorado, encolhido de frio e senta-se no banquinho que o pai lhe fez
quando nasceu. Diz bom dia entre dentes e estremece ao sentir no corpo o doce
calor da lareira.
Apenas uma pequena candeia
dá alguma claridade ao espaço. A mãe, com a bebé agarrada ao peito mirrado,
senta-se no escano ao lado de Pedro. Joaquim olha para ela com admiração. Casar
com esta mulher foi a coisa mais acertada que fizera na sua vida. Estendeu-lhe
uma caneca com café e um bocado de centeio amargo com queijo de vaca. André
baixou a mesa e Pedro colocou as duas coisas sobre ela. Manuel começava a
reagir ao calor e a fome despertava. Tinha onze anos e trabalhava como se fosse
homem.
Cada um foi comendo com
apetite o que o pai lhes dava.
Na grelha, chiava um naco de
carne gorda salgada. O cheirinho que dela emanava enchia a cozinha e criava
água na boca. À medida que ela ia tostando, era distribuída pelos rapazes.
Joaquim esperava a sua vez.
Conceição mudou a pequena
para o outro peito e continuou a debicar o seu matabicho. Embora não admitisse,
estava preocupada por não poder ir com eles. Não passavam de meninos, os seus
meninos.
Joaquim adivinhava o
pensamento da mulher.
- Não te preocupes. Vai
correr tudo bem. Não tarda nada estamos em casa.
Ela sorriu. Sabia que era
verdade. Com a menina tão pequenina e com o frio que estava lá fora não podia
arriscar. Alberto pouco mais era do que um bebé com os seus irrequietos oito
anos e ainda não tinha curado a gripe que o atacara no princípio do inverno.
André e o pai levantaram-se
e foram preparar o carro. A Malhada e a Morena davam sinais de vida na loja.
Pedro veste o pesado casaco, agarra na cesta da merenda e na bota do vinho.
- Anda Manuel! Despacha-te!
Parece que estás a ruminar, que nunca mais acabas de comer.
- Mãe?
- Sim filho? Vá lá! Vai
vestir o casaco. Leva o pão na mão e vai comendo, mas não deixes que o Joli to
apanhe.
Levantou-se com a agilidade
dos seus leves onze anos e vestiu o casaco. A mãe apertou-lho e enfiou-lhe um
gorro na cabeça e umas luvas de lã de ovelha nas mãos. Estava pronto. A aragem
que sentiu ao assomar à porta, quase o fez voltar para casa. Ainda virou a
cabeça e olhou para a mãe que sorriu. Sentiu-se aconchegado e saiu. Desceu três
degraus e sentiu-se içado pelos braços fortes do pai que o instalou no carro de
bois entre os dois irmãos. O cão corria contente ao lado do carro. As estrelas
brilhavam com mais fulgor, como se quisessem iluminar o caminho.
- Que frio! – Os três
rapazes apertavam-se uns contra os outros. A mãe mandara-lhes uma manta de lã
para que cobrissem as pernas. Mesmo assim, o frio parecia não abrandar.
- Pai, deixe que agora vou
eu. Assim aqueço os pés.
André sabia que ainda tinham
muito que andar. O caminho de volta teria de ser feito todo a pé. O carro viria
carregado. Os animais eram valentes, não havia dúvida, mas sabia que não seria
fácil chegar a casa.
- Está bem filho. Vamos lá
então. O frio aperta e já estamos em março. Bem, quando lá chegarmos, depressa
aquecemos.
Pedro e Manuel dormiam embalados
pelo chiar do carro. Faltaria, talvez, meia hora de caminho. Joaquim sabia que
aquele não era trabalho para rapazes tão novos.
- Que vida esta Senhor!
- Que disse pai?
- Nada filho, nada… Acho que
estava a falar sozinho. Anda cá rapaz. Senta-te aqui. Elas podem bem connosco.
- Sim, eu sei. O problema é
o regresso. Não vai ser fácil. Quero poupá-las um pouco.
- Não é com certeza o teu
peso que as vai cansar. Sobe.
Sentou-se ao lado do pai,
pés ao pendurão, olhos fitos no caminho… Ainda era noite escura. Sentiu uma
certa melancolia que não sabia explicar. Não era homem de se deixar amedrontar
pelo trabalho. Aquele, no entanto, preocupava-o. A tarefa que tinham de efetuar
exigia muito esforço. Não sabia se as vacas aguentariam com aquele carrego. Não
era a primeira vez que o faziam mas das outras tinham tido ajuda de homens
feitos e muitos e o apoio de um segundo carro de bois.
Maria Videira (Mara Cepeda)
terça-feira, 8 de julho de 2014
O Desgaste dos Dias
O desgaste dos dias é como um rio que extravasa as margens em dia de
trovoada. Não é fácil atravessá-lo a vau. Mais difícil é viver a consumição
incessante da vida.
Insistimos, teimosamente, em contornar a situação e não medimos o perigo que representa um tronco de árvore (ou a insensibilidade das pessoas com quem cruzamos todos os dias) que a enxurrada arrastou para o leito caudaloso e barrento, tão diferente do normal de um dia simples, sereno como a água que escorre dos beirais quando a chuva é miudinha e monótona, num qualquer sábado de preguiça.
Desgastamo-nos e desgastamos as nossas esperanças, os nossos sonhos, as nossas verdadeiras virtudes...
Insistimos, teimosamente, em contornar a situação e não medimos o perigo que representa um tronco de árvore (ou a insensibilidade das pessoas com quem cruzamos todos os dias) que a enxurrada arrastou para o leito caudaloso e barrento, tão diferente do normal de um dia simples, sereno como a água que escorre dos beirais quando a chuva é miudinha e monótona, num qualquer sábado de preguiça.
Desgastamo-nos e desgastamos as nossas esperanças, os nossos sonhos, as nossas verdadeiras virtudes...
Deixamos de acreditar em nós e nos outros e seguimos o caminho mais
inócuo. O sofrimento cansa quando é em demasia ou quando mantemos intacta a
capacidade de olhar para o mundo que nos rodeia.
Não vale a pena grande esforço. Parece que a vida perdeu importância e que nada vale a bizarria de tentar ser melhor.
Sofremos, desacreditamos. Os dias de sol são mais escassos, parece-nos.
Não vale a pena grande esforço. Parece que a vida perdeu importância e que nada vale a bizarria de tentar ser melhor.
Sofremos, desacreditamos. Os dias de sol são mais escassos, parece-nos.
A melancolia impregna-se na alma e sentimos que somos menos do que uma
gota cristalina de chuva.
As vidas seguem o curso do rio cujo caudal vai cheio de ilusões perdidas...
As vidas seguem o curso do rio cujo caudal vai cheio de ilusões perdidas...
A água límpida e pura dos degelos das altas montanhas sempre brancas,
recordam-nos que é exequível a existência de alguma claridade, alguma esperança
e a pureza de um olhar que apenas se espraia pelo azul infinito e único deste
céu, do meu céu, onde voa tranquila uma cegonha negra.
Somos seres imperfeitos, porque humanos. Frágeis, como as asas de uma borboleta que ao menor toque se pulverizam deixando-nos nos dedos a suave cor de que eram feitas.
Somos seres imperfeitos, porque humanos. Frágeis, como as asas de uma borboleta que ao menor toque se pulverizam deixando-nos nos dedos a suave cor de que eram feitas.
Está na nossa natureza esta leveza, esta insustentável leveza, dizia
Milan Kundera, que nos faz únicos e inultrapassáveis quando sabemos
deleitar-nos com o sorriso de uma criança ou o desabrochar de uma efémera flor
que dura apenas um dia, o breve hiato em que se acredita que tudo é possível.
Maria Videira (Mara Cepeda)
quinta-feira, 3 de julho de 2014
Fado
não sei.
ponto final
diferente de não querer saber
talvez não valha a pena
o desgaste de tentar
de ser o que se espera de nós
de ver as coisas pelo olhos de outros
de embelezar o nosso discurso com palavras alheias...
não sei;
ponto e vírgula
porque não vale a pena o esforço
de ser quem realmente sou
expondo-me a olhares admirados
de "não lhe conhecia esta faceta"
de olhar para o azul do céu de Bragança
e sentir-me parte dele, nas gotas quentes e salgadas
que escorrem pelo meu rosto triste
não sei,
vírgula
se vale a pena fingir alegria
quando a alma vai de negro vestida
cercada das carpideiras fatalistas
que mais do que chorar a morte
choram a triste e desconexa vida
e o fado castiço, cantado nas tabernas de ontem
entoa a vida e a morte, o princípio e o fim,
e a pena nefasta que tenho de mim
Maria Videira (Mara Cepeda)
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