terça-feira, 8 de julho de 2014

O Desgaste dos Dias

O desgaste dos dias é como um rio que extravasa as margens em dia de trovoada. Não é fácil atravessá-lo a vau. Mais difícil é viver a consumição incessante da vida.
Insistimos, teimosamente, em contornar a situação e não medimos o perigo que representa um tronco de árvore (ou a insensibilidade das pessoas com quem cruzamos todos os dias) que a enxurrada arrastou para o leito caudaloso e barrento, tão diferente do normal de um dia simples, sereno como a água que escorre dos beirais quando a chuva é miudinha e monótona, num qualquer sábado de preguiça.
Desgastamo-nos e desgastamos as nossas esperanças, os nossos sonhos, as nossas verdadeiras virtudes...
Deixamos de acreditar em nós e nos outros e seguimos o caminho mais inócuo. O sofrimento cansa quando é em demasia ou quando mantemos intacta a capacidade de olhar para o mundo que nos rodeia.
Não vale a pena grande esforço. Parece que a vida perdeu importância e que nada vale a bizarria de tentar ser melhor.
Sofremos, desacreditamos. Os dias de sol são mais escassos, parece-nos.
A melancolia impregna-se na alma e sentimos que somos menos do que uma gota cristalina de chuva.
As vidas seguem o curso do rio cujo caudal vai cheio de ilusões perdidas...
A água límpida e pura dos degelos das altas montanhas sempre brancas, recordam-nos que é exequível a existência de alguma claridade, alguma esperança e a pureza de um olhar que apenas se espraia pelo azul infinito e único deste céu, do meu céu, onde voa tranquila uma cegonha negra.
Somos seres imperfeitos, porque humanos. Frágeis, como as asas de uma borboleta que ao menor toque se pulverizam deixando-nos nos dedos a suave cor de que eram feitas.

Está na nossa natureza esta leveza, esta insustentável leveza, dizia Milan Kundera, que nos faz únicos e inultrapassáveis quando sabemos deleitar-nos com o sorriso de uma criança ou o desabrochar de uma efémera flor que dura apenas um dia, o breve hiato em que se acredita que tudo é possível.

Maria Videira (Mara Cepeda)

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