domingo, 31 de março de 2013
Páscoa
Maria, pequenina e nervosa, não tinha
descanso, não sossegava enquanto os sobrinhos não chegassem a casa.
Pouco lhe importava que fossem adultos, namoradores, com cortejadas em cada aldeia por onde tivessem andado.
Para ela, não passavam de garotos necessitados de proteção, de um caldo quente, de um sorriso...
O que mais a afligia era o mais velho e mais desventurado dos irmãos, o Graciano que, desde muito pequeno, penava por esse mundo fora, a servir em casa alheia.
Hoje, homem feito, marido e pai, continuava desafortunado e triste. A sua vida era pasto de um fado aziago, tão aziago que já lhe tinha levado a mulher e os filhos que haviam tido, um por um, em sofrimento inclemente.
Regressara à sua pobre e esquecida aldeia cabisbaixo, derrotado e só. O seu porto de abrigo era aquela tia, a sua verdadeira mãe, que a outra nunca o fora.
Ela recebeu-o como se um anjo divino lhe entrasse pela casa dentro. Tanto amor lhe facultava que o rapaz sentiu que a vida poderia, a contragosto, ser-lhe amena.
Primavera recém feita, Páscoa alta - "Páscoa em março, ou grande fome ou grande mortaço." - apesar da intensa e constante chuva, pintava, teimosamente, os montes e campos de flores, pequenas, amarelas e brancas ao mesmo tempo que ia cobrindo as árvores despidas pelo padrasto inverno, de flores cor de rosa e brancas, umas maiores, outras mais pequenas.
Urgia que surgissem, que atapetassem os campos. Urgia que as pascoelas jorrassem à beira dos rios e regatos, junto dos poços e nascentes, a pintalgarem os campos de suave amarelo. Cumpria-se o tempo com mais ou menos chuva, chegara a sua hora e era inevitável que as sementes germinassem.
Sentindo-se abençoada pelo regresso a casa daquele filho pródigo, ela sorria e andava mais ligeira e atarefada do que habitualmente, alegrando-se pela exuberância florida dos montes.
Era quarta-feira antes da Ressurreição de Jesus, nosso Salvador. Precisava de arranjar a lenha para o forno. As roscas e os folares tinham de ser feitos na quinta-feira. Natália, a sua querida filha, não conseguia fazer tudo sozinha. Tinha ido a Vinhais para comprar a farinha, a manteiga e outros quejandos que tais, necessários àquela época.
O cordeiro estava tratado. O tio João Passadouro sacrificá-lo-ia no sábado. Não que ela gostasse muito de comer o animalzinho. Tinha pena. Por ela, todos continuariam vivos e livres pelos montes fora. Teria, talvez, de matar um dos galos. Eram valentes os dois, cada um mais bonito que o outro. Chegava um para as poucas galinhas que tinham.
Tão embrenhada estava nos seus pensamentos que nem deu pela entrada de António, o mais novo dos irmãos.
Eram horas de ir. "Vamos lá rapaz. Não tarda nada é noite."
Saíram para o dia frio e ventoso. Depois de uma breve aberta, recomeçara a chover. Ainda bem que trabalhariam debaixo de telha.
O Américo e o Fernando estavam a fazer lenha para o morgado e só chegariam no sábado.
Sentia-se imensamente feliz por poder reunir a sua família nesta Páscoa, mesmo que fosse por breve tempo.
Jejuava, pouco mais do que pão e água, durante a quaresma toda. Fazia-o desde menina, como uma prece ao altíssimo. Por isso sentia-se débil, mas preenchida de amor fraternal. Tinha consigo todos os que queria.
Não, a vida não era uma mar de rosas. Era dura e árida na maior parte do tempo. No entanto, não podia nem devia pedir mais. Tinha aquela filha, dádiva incomensurável de Deus, que preenchia a sua pobre vida. Contava com o amor dos sobrinhos órfãos, o que não era pouco. Tinha o mínimo para viver e ajudar quem mais precisava... Que mais podia pedir?
Comemorariam a Páscoa, chuvosa, fria, mas primavera pelos campos e montes, com a canção gorgolejante dos regatos e dos rios.
Acreditava que no domingo, brilharia o sol em todo o seu esplendor. Sempre fora assim, como se todos os anos se repetisse o milagre da Ressurreição de Cristo de mão estendida para nos amparar nas nossas quedas.
Natália surgiu, radiante, encharcada até aos ossos. Trazia no cabelo um ramo de pascoelas que sorriam como se vivas fossem.
Maria Videira (Mara Cepeda)
Pouco lhe importava que fossem adultos, namoradores, com cortejadas em cada aldeia por onde tivessem andado.
Para ela, não passavam de garotos necessitados de proteção, de um caldo quente, de um sorriso...
O que mais a afligia era o mais velho e mais desventurado dos irmãos, o Graciano que, desde muito pequeno, penava por esse mundo fora, a servir em casa alheia.
Hoje, homem feito, marido e pai, continuava desafortunado e triste. A sua vida era pasto de um fado aziago, tão aziago que já lhe tinha levado a mulher e os filhos que haviam tido, um por um, em sofrimento inclemente.
Regressara à sua pobre e esquecida aldeia cabisbaixo, derrotado e só. O seu porto de abrigo era aquela tia, a sua verdadeira mãe, que a outra nunca o fora.
Ela recebeu-o como se um anjo divino lhe entrasse pela casa dentro. Tanto amor lhe facultava que o rapaz sentiu que a vida poderia, a contragosto, ser-lhe amena.
Primavera recém feita, Páscoa alta - "Páscoa em março, ou grande fome ou grande mortaço." - apesar da intensa e constante chuva, pintava, teimosamente, os montes e campos de flores, pequenas, amarelas e brancas ao mesmo tempo que ia cobrindo as árvores despidas pelo padrasto inverno, de flores cor de rosa e brancas, umas maiores, outras mais pequenas.
Urgia que surgissem, que atapetassem os campos. Urgia que as pascoelas jorrassem à beira dos rios e regatos, junto dos poços e nascentes, a pintalgarem os campos de suave amarelo. Cumpria-se o tempo com mais ou menos chuva, chegara a sua hora e era inevitável que as sementes germinassem.
Sentindo-se abençoada pelo regresso a casa daquele filho pródigo, ela sorria e andava mais ligeira e atarefada do que habitualmente, alegrando-se pela exuberância florida dos montes.
Era quarta-feira antes da Ressurreição de Jesus, nosso Salvador. Precisava de arranjar a lenha para o forno. As roscas e os folares tinham de ser feitos na quinta-feira. Natália, a sua querida filha, não conseguia fazer tudo sozinha. Tinha ido a Vinhais para comprar a farinha, a manteiga e outros quejandos que tais, necessários àquela época.
O cordeiro estava tratado. O tio João Passadouro sacrificá-lo-ia no sábado. Não que ela gostasse muito de comer o animalzinho. Tinha pena. Por ela, todos continuariam vivos e livres pelos montes fora. Teria, talvez, de matar um dos galos. Eram valentes os dois, cada um mais bonito que o outro. Chegava um para as poucas galinhas que tinham.
Tão embrenhada estava nos seus pensamentos que nem deu pela entrada de António, o mais novo dos irmãos.
Eram horas de ir. "Vamos lá rapaz. Não tarda nada é noite."
Saíram para o dia frio e ventoso. Depois de uma breve aberta, recomeçara a chover. Ainda bem que trabalhariam debaixo de telha.
O Américo e o Fernando estavam a fazer lenha para o morgado e só chegariam no sábado.
Sentia-se imensamente feliz por poder reunir a sua família nesta Páscoa, mesmo que fosse por breve tempo.
Jejuava, pouco mais do que pão e água, durante a quaresma toda. Fazia-o desde menina, como uma prece ao altíssimo. Por isso sentia-se débil, mas preenchida de amor fraternal. Tinha consigo todos os que queria.
Não, a vida não era uma mar de rosas. Era dura e árida na maior parte do tempo. No entanto, não podia nem devia pedir mais. Tinha aquela filha, dádiva incomensurável de Deus, que preenchia a sua pobre vida. Contava com o amor dos sobrinhos órfãos, o que não era pouco. Tinha o mínimo para viver e ajudar quem mais precisava... Que mais podia pedir?
Comemorariam a Páscoa, chuvosa, fria, mas primavera pelos campos e montes, com a canção gorgolejante dos regatos e dos rios.
Acreditava que no domingo, brilharia o sol em todo o seu esplendor. Sempre fora assim, como se todos os anos se repetisse o milagre da Ressurreição de Cristo de mão estendida para nos amparar nas nossas quedas.
Natália surgiu, radiante, encharcada até aos ossos. Trazia no cabelo um ramo de pascoelas que sorriam como se vivas fossem.
Maria Videira (Mara Cepeda)
sexta-feira, 29 de março de 2013
Descobrindo a cruz
chove sem descanso
e o descaso que sinto
tão intensamente
no meu peito
dedilha canções tristes ao piano
que ora oiço
ora choro
ora calo gritando
silenciosa
a dor que me consome
tudo, tão molhado,
tão frio,
que o vento inclemente
apenas acentua
derrubando as pequenas flores
das combalidas árvores
fustigadas,
teimosas,
fraternas,
que insistentemente
dão frutos
é Páscoa
a hora não tarda
em chegar
apenas o tempo
teima em passar
inexorável
como a água que corre para o rio
galgando margens
afogando mágoas
cobrindo fráguas
descobrindo a cruz
Maria Videira (Mara Cepeda)
e o descaso que sinto
tão intensamente
no meu peito
dedilha canções tristes ao piano
que ora oiço
ora choro
ora calo gritando
silenciosa
a dor que me consome
tudo, tão molhado,
tão frio,
que o vento inclemente
apenas acentua
derrubando as pequenas flores
das combalidas árvores
fustigadas,
teimosas,
fraternas,
que insistentemente
dão frutos
é Páscoa
a hora não tarda
em chegar
apenas o tempo
teima em passar
inexorável
como a água que corre para o rio
galgando margens
afogando mágoas
cobrindo fráguas
descobrindo a cruz
Maria Videira (Mara Cepeda)
quinta-feira, 28 de março de 2013
terça-feira, 26 de março de 2013
Só
com a angústia
de mais nada
esperar
espero
a manhã preguiçosa
inquieta
buliçosa
na
mão estendida
nada, apenas o ar
que nos cerca
na imensa
solidão
de um olhar
na incerteza de um não
só
como se
amanhã
já não fosse
Maria Videira (Mara Cepeda)
segunda-feira, 25 de março de 2013
Brito de Baixo, concelho de Vinhais
Nesta pequena aldeia nasci.
Daqui, quis o destino que saísse, menina ainda.
Vivi pouco tempo neste paraíso.
Sempre que aqui volto,
é como se não tivesse saído.
Respiro a minha essência
a minha alma rejubila
como se anjos celestes
aqui habitassem
por estes pequenos montes
por estas encostas...
Este escadario conduz-nos a uma pequena capela construída para cumprimento de uma promessa.
A Nossa Senhora de Fátima foi consagrada.
As rochas nuas onde, teimosamente, nascem árvores, encantam-me.
Inebria-me a sua beleza simples,
tão despojada de vaidades.
Os caminhos não são fáceis de calcorrear.
A natureza é agreste.
Este é o seu casario.
Casas simples, pequenas,
abraçadas umas às outras, interdependentes,
como almas gémeas.
quinta-feira, 21 de março de 2013
Passos pequenos
passos pequenos e ligeiros
percorrem céleres
os passeios
saltitando com a leveza
de pequenos piscos
idílico. Falta, apenas,
o aperto de umas mãos pequenas
talvez breve, talvez ansioso
como um por do sol
ancestral
se não chovesse
se lágrimas não corressem
pela pálida face carmesim
onde pousa, também,
um negro hematoma
funesto festim
de horas amargas
em sombria miséria
poderia, ainda, coexistir
em sintonia
com lágrimas a correr
um pálido sorriso
sem dúvida, preciso
pouco mais de seis anos,
pequeno e franzino,
corria sem nexo
em busca de um destino
de telhas coberto
Maria Videira (Mara Cepeda)
percorrem céleres
os passeios
saltitando com a leveza
de pequenos piscos
idílico. Falta, apenas,
o aperto de umas mãos pequenas
talvez breve, talvez ansioso
como um por do sol
ancestral
se não chovesse
se lágrimas não corressem
pela pálida face carmesim
onde pousa, também,
um negro hematoma
funesto festim
de horas amargas
em sombria miséria
poderia, ainda, coexistir
em sintonia
com lágrimas a correr
um pálido sorriso
sem dúvida, preciso
pouco mais de seis anos,
pequeno e franzino,
corria sem nexo
em busca de um destino
de telhas coberto
Maria Videira (Mara Cepeda)
quarta-feira, 20 de março de 2013
Económicos, bolos tradicionais da Páscoa em Trás-os-Montes
Ingredientes:
6 Ovos
1 Litro de leite
1 Cálice de aguardente
500 g de açúcar
1 Colher de sopa de canela
Farinha até tender
2 Colheres de chá de fermento em pó
Gema de ovo para dourar
Açúcar e canela para polvilhar
Preparo:
Batem-se os ovos com o açúcar.
Mistura-se a aguardente, a canela, o leite e a farinha com o
fermento e bate-se muito bem a massa, que deve ficar mole.
Deitam-se montinhos com uma colher de sopa em tabuleiros
polvilhados com farinha (devem ficar separados porque crescem muito).
Ao sair do forno, barram-se com gema de ovo e polvilham-se
com açúcar e canela.
Folar de Trás-os-Montes
RECEITA do FOLAR TRADICIONAL (Folar para fazer no forno
elétrico de casa)
INGREDIENTES
1,5 kg de farinha
10 ovos
5 g de fermento
1 copo pequeno de azeite
125 g de manteiga
1 chouriça/linguiça
presunto fatiado e
toucinho a gosto
1 pitada de sal
PREPARAÇÃO
Dilua o fermento num
pouco de água morna e adicione o sal. Numa masseira ou mesa derrame a farinha,
adicione os ovos batidos, fermento diluído e amasse. Depois adicione a manteiga
e o azeite. Amasse novamente e se necessário deite um pouco de farinha para a
massa ficar consistente, não podendo ficar pegajosa. A seguir coloque a massa
num alguidar, embrulhada num pano branco e deixe levedar 2 horas em local
quente. Depois de levedar tenda por forma a que possa adicionar as carnes
devidamente picadas. Embrulhe as carnes com a massa, devendo ficar a carne
dentro da bola conseguida. Forre a forma que pretende levar ao forno com
manteiga e farinha. Coloque a bola de folar e deixe cozer 1.15H no forno, verificando
o estado da cozedura.
terça-feira, 19 de março de 2013
Nina, a cadelinha da minha cunhada
Nina é um doce, uma fofura que gosta muito de mimo.
É natural de Baltar, Paredes.
Sabe que é linda e faz pose para as fotografias.
Aqui ficam alguns exemplos.
segunda-feira, 18 de março de 2013
A pedra
a pedra apareceu de súbito
como se voasse
poisou suavemente
como se pluma fosse
e impediu-me a passagem
para lado nenhum
tentei circum-navegá-la
qual Fernão de Magalhães
mas ela cresceu, desmesurada
pensei subir por ela acima
com as mãos nuas
descobri que não havia reentrâncias
onde me pudesse agarrar
perante problema tal,
sentei-me no meio do caminho,
serenamente, a olhar para ela
como se o facto de a ver
me ensinasse a vencê-la
pelo cansaço
ali estivemos a duas
noites e dias
invernos e verões
eu, sentada, qual faquir
ela, alheada, pelo devir
nada aconteceu
e à sua sombra, deixei-me dormir
como se voasse
poisou suavemente
como se pluma fosse
e impediu-me a passagem
para lado nenhum
tentei circum-navegá-la
qual Fernão de Magalhães
mas ela cresceu, desmesurada
pensei subir por ela acima
com as mãos nuas
descobri que não havia reentrâncias
onde me pudesse agarrar
perante problema tal,
sentei-me no meio do caminho,
serenamente, a olhar para ela
como se o facto de a ver
me ensinasse a vencê-la
pelo cansaço
ali estivemos a duas
noites e dias
invernos e verões
eu, sentada, qual faquir
ela, alheada, pelo devir
nada aconteceu
e à sua sombra, deixei-me dormir
Maria Videira (Mara Cepeda)
domingo, 17 de março de 2013
Vida (Bragança, Polis)
Nuvens.
Assim corre o
tempo
devarinho, muito
lento
ou rápido,
lampeiro
como se o
açúcar
pudesse,
eventualmente,
fugir do
açucareiro!
Cinzento,
como os dias que passam,
depressa demais
eras atrás de eras
futuras e ancestrais
assim é a vida que passa
como só o espelho reconhece.
Maria Videira (Mara Cepeda)
quarta-feira, 13 de março de 2013
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