segunda-feira, 24 de março de 2014

Palavras

Que palavras são estas que me acompanham
antes da minha existência
no útero da minha mãe?
São elas que tão dolorosamente me escapam
através do suor que, da minha doce pele de mulher, emana.
E mãe sou dos filhos que não terei,
tempos de ternura,
de carinho,
tão limpo e suave como a canção da chuva que,
mansamente,
cai dos telhados adormecidos num dia triste/alegre de Outono,
envolto em perfumes de Primavera.
Que as minhas palavras embalem e serenem angústias
que, porventura, vidas desavindas,
tragam em carrosséis de emoções à flor da pele.
A palavra é tudo.
É silêncio quando o ruído impera.
É aurora quando raia o dia…
Mostra-nos tal como somos e estamos.
É a amiga que, num murmúrio, me dá guarida
naquele momento de séria tristeza.
É a alegria que sinto quando uma voz já antiga,
me conta uma história de bruxas malvadas,
maçãs vermelhas e envenenadas,
que o amor liberta com a expressão: “Tão linda!”
Mas se a palavra fosse apenas isso,
melodia,
feitiço,
lua cheia,
voz de comando,
sorriso…
seria pobre,
avara,
andrajosa,
uma concha vazia na areia da praia…

É o menino que balbucia,
a soprano que canta a sua peça favorita,
o marulhar da água nas pedras limpas do rio,
o sussurro do vento nas espigas de trigo,
o trautear de uma canção
que se ouviu de manhã cedo
ao acordar
e que nos acompanha durante todo o dia,
o soluço que o peito já não pode calar…

A palavra é o silêncio de um dia de chuva,
quando a noite tarda a chegar.
Não existe quando a alma está deserta de música.

Maria Videira (Mara Cepeda)

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