terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Era dezembro, quase Natal...

O Natal não demorava a chegar. Dezembro havia começado, carrancudo, arisco...
A mulher vinha ligeira, denotava pressa e algum desconforto. Passou como um fantasma pelas pessoas que, ao vê-la passar, branca, pálida, ficavam com o cumprimento a meio, suspenso num limbo de incerteza e aflição.
Entrou em casa e, finalmente, chorou como se todos os diques tivessem rebentado ao mesmo tempo em todo o mundo. O desespero vertido em lágrimas grossas, molhava-lhe o rosto e as mãos. Um grito escapou-lhe da garganta onde já não podia estar. Tudo havia acabado. Era o fim. Nada mais importava.
Natália pouco passava de ser uma menina. Não entendia porque razão lhe pesava tanto aquele sentimento. Era como se o estômago se lhe comprimisse cada vez mais até quase deixar de existir.
Não podia ser verdade. Não assim.
Que poderia ela fazer?
Como conseguiria sobreviver ao intenso sofrimento que a aniquilava?
Morreria... era certo que morreria.
Sentia dentro de si, que já não estava só. Sabia que estava grávida, mesmo que apenas o intuísse.
Que seria dela agora?
Como poderia continuar a viver?
O Natal aproximava-se, inexoravelmente. Não que os seus natais fossem, de alguma forma para recordar. Balizavam-se pela mesma pobreza de sempre, menos intensa porque havia sempre o bacalhau e o polvo, pão fresco, um pão-de-ló e umas filhoses.
Vinham os dois primos que ainda não tinham família e o meio irmão. A mãe esperava que ela fizesse tudo e ela fazia, mesmo morta por dentro.
O frio era aterrador. Nem o enorme lume que se erguia no meio do lar conseguia aquecê-la. Valiam-lhe os primos e o irmão que lhe traziam a lenha para casa.
Amanhã era feira em Vinhais. Tinha de ir. Era preciso comprar as coisas para a consoada. Precisava de uma saia e de um casaco mais quente. Tinha de comprar lã para tricotar meias. Talvez uns socos...
Esvaíasse por dentro. Oca como uma concha vazia.
Ele ía para o Brasil... Como pudera pensar nisso? Como?
Trazia no ventre o fruto do seu amor. Como poderia justificar a sua leviandade perante a pequena aldeia?
Não podia ser verdade. Porque não podiam ir juntos?
O que seria dela e do filho quando Deus lhe mostrasse a luz do mundo?
Não havia esperança. Morreria...
"Que tens tu, rapariga?" "Que tens mulher?" "Que desespero é esse?"
Engrácia sofria por vê-la naquele estado e não poder fazer nada. Sabia do que se tratava. O Zé ia para os brasis, chamado por uns primos que lá tinha. Era corajoso o rapaz. Tinha de ir porque ali não havia futuro. Sentia-se preso, angustiado...
Natália secou as lágrimas inclementes, mostrou os olhos tão profundamente tristes que se fez noite sem estrelas no seu olhar.
"Estou grávida, Engrácia."
Era dezembro, quase Natal...

Maria Videira (Mara Cepeda)

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