domingo, 25 de novembro de 2012

Mãe, posso ir?

Mãe, posso ir?
Não filha, hoje não. É muito longe e está muito calor.
Eu quero mãe, por favor.
Não, hoje não.
Era noite ainda. No céu, as estrelas cintilavam contentes, como se dançassem a Danúbio Azul, num imenso salão de baile pintado de azul noite.
A mulher vestia-se. Com uma mão cheia de água lavou o rosto e calçou os gastos sapatos que usava para os trabalhos no campo; dispunha-se a sair.
A menina saltou da cama qual saltão verde dos campos e correu para a porta.
Eu também vou mãe, eu quero ir. Choramingava.
Com carinho, a mulher dizia-lhe que não que não podia. Mais choro, mais teimosia, que teimosa era ela.
A mãe perdeu a paciência, estava atrasada. Os outros esperavam-na já. A caminhada era longa e o dia ia ser muito comprido. O fidalgo tinha muito pão para ceifar. Da aldeia ia uma tropa de vinte, rapazes e raparigas. Deu-lhe uma nalgada e fê-la voltar para a cama.
Saiu para a rua e sentiu frio. A madrugada estava fresca. Corria um vento agreste. Embrulhou-se no delido xaile e disparou pela ruela abaixo. A menina chorou até voltar a adormecer. Não porque lhe tivesse doído aquele sacudir de pó, mas porque estava habituada a que a mãe respondesse, sempre, positivamente aos seus desejos.
Chegou esbaforida junto dos companheiros de jornada. Parece que não querias vir rapariga. Mais um cibinho e íamos embora. Foi a menina, queria porque queria vir comigo. Tive de lhe sacudir o pó para que me deixasse vir. Bem, vamos lá embora rapazes.
Era fim de julho, quase agosto e ainda havia pão para cortar. Era tempo de muito trabalho, de muita canseira. Tinha de ser, o dinheiro fazia muita falta e era quando se ganhava algum.
Era uma vida difícil. Tinham de caminhar muitos quilómetros por dia, de uma aldeia para outra, à procura do seu sustento. Os dias eram quentes como um deserto e desde que se começava a labuta até que se matava o bicho passavam muitas horas.
Bebia-se muito vinho e pouca água. O vinho era farto, a água escassa. O calor era tanto que parecia que o vinho não tinha força suficiente para embebedar e não embebedava. Esvaia-se pelos poros sem deixar mácula.
Quando chegavam as mulheres da casa com o almoço, as mãos eram um prolongamento da foice. Procurava-se uma sombra. As pernas e as costas recusavam-se a dobrar. No entanto, o cheiro bom da comida, alegrava a alma e o estômago. Cantava-se, ria-se, dançava-se ao som do realejo que alguém levava no bolso como fiel companheiro.
Dava-se tempo ao calor para se afastar um bocadinho e a foice voltava à vida. Quase autónoma, independente do pensamento que voava. Uma mulher iniciava um canto e todas as outras a acompanhavam. "Quem canta seus males espanta".
Era verão, quase agosto. Era-se feliz com tão pouco. Sofria-se tanto sem saber!

Maria Videira (Mara Cepeda)

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