terça-feira, 20 de novembro de 2012

Quando o dia ainda dormia...

Por vezes, quando o dia ainda dormia, a mãe tentava que a filha ficasse na cama. Levantava-se o mais silenciosamente possível, leve como uma leve brisa e lentamente saía do modesto quarto onde dormiam, ela, a filha e a avó.
Era um verão, quente, seco, muito seco. As fontes de mergulho, sem água, não respondiam às necessidades mínimas da aldeia. O ribeiro dava os últimos suspiros, ansioso por uma chuvada para retemperar forças. Apenas o rio levava água. Era para lá que queria ir a mulher que, na véspera, tinha feito uma enorme trouxa de roupa para lavar.
Ficava um pedacinho distante e era necessário carregar com o fardo às costas. Por isso queria deixar a menina, ainda tão pequena, em casa, protegida daquele calor infernal. Mal pôs o pé fora do quarto: Mãe, eu também vou.
Não filhinha, ainda é noite escuro, há estrelas no céu. Ficas com a avó, está bem?
Não mãe, vou contigo. Quero pescar um peixinho para assar.
De sono muito leve, ainda hoje assim sou, acordava, pulava da cama, pé no chão, meio despida, agarrada à saia delida da minha mãe, não desistia por nada deste mundo, do meu objetivo.
Sem outro remédio que não levar-me, a minha mãe acrescentava a parca merenda, calçava-me as chinelas, vestia-me o vestido e lá íamos as duas, noite estrelada, ao encontro das outras mulheres que também iam lavar ao rio.
Caminhávamos em grupo, silenciosamente, pelo caminho empoeirado, emanando ainda, alguma-pouca frescura. A manhã mostrava já, ténue claridade. Raiavam pequenos braços de sol e as mulheres iam aumentando o tom de voz à medida que o dia clareava. As crianças riam e saltavam como cabritinhos.
Descia-se até ao rio Tuela, de águas límpidas e cristalinas, onde, de mão em concha, qualquer um matava a sede. Onde os pescadores apanhavam a bela truta, as enguias vivas e demais peixes que abundavam nos nossos rios de então.  
Lá chegadas, cada uma ia para o seu lugar habitual e lavava a sua pedra, gasta pelo correr constante da água. Saias e mangas arregaçadas eram horas de começar. Lá vem o dia, preguiçoso ainda.
A menina sorri. Sente a frescura da água nas mãos pequeninas e diz: Vou pescar um peixinho! Mãe, empresta-me o cesto. Vou pescar um peixe para o jantar.
A mãe ri. Minha tontinha! Não vês que eles não se deixam apanhar? Ah, mãe!
Pego no cesto e, sem me afastar demasiado, vou à "pesca". As mulheres lavam. As crianças brincam, riem, molham-se, atiram-se para a água como se fosse o paraíso.
Sou imensamente feliz. Estou toda encharcada. Uma chinela solta-se-me do pé e vai, rio abaixo, arrastada pela corrente. Corro atrás dela a gritar e a rir. Magoo os pés nas pedras do leito mas não sinto nada. Alguém a apanha e ma entrega. Cuidado não a deixes ir embora senão vais descalça para casa. Não importa! Viro costas, pego no cesto e vou apanhar um peixinho para o jantar.
Era verão e a vida sorria.

Maria Videira (Mara Cepeda)

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